Sent: Sunday, December 28, 2008 8:19 PM
Subject: OPINIÃO
Que venha o jornalismo
Elaine Tavares *
Adital - O Jornalismo no Brasil é uma vergonha. Quase tudo o que se vê na TV
ou se lê nos jornais e revistas semanais pouco tem a ver com a vida das
gentes. As fontes são as oficiais e raros são os que se aventuram pelas
estradas vicinais, poeirentas, da vida real. Melhor é ficar no gabinete, nas
salas acarpetadas, com ar condicionado, a sorver cafezinho e ouvir,
reverente, a voz do poder. Isso dá muito mais lucro. Pode colocar um
jornalista nas graças dos que mandam. Isso significa verbas adicionais e
fama. Quem não quer?
O ser humano normal sonha com isso. Trabalhar na Globo, aparecer em rede
nacional, ser reconhecido no supermercado. E, de quebra, ainda ter uma boa
poupança para os tempos difíceis. Para isso, só vale uma regra: não brigar
com o poder. Servilismo, servidão. Dar murro em ponta de faca pra quê?
Bobagens de quem não tem família para sustentar.
Pois o jornalista iraquiano Muntadar al-Zeidi fez o improvável. Ele não
escreveu qualquer matéria, não ficou perdido entre anotações, não usou
câmera escondida, não foi para frente de batalha, não mergulhou em
documentos, sequer narrou a vida desgraçada dos seus compatriotas, acossados
pela ganância estadunidense. Ele apenas arremessou um sapato contra o rei.
Numa situação absolutamente normótica, quando os jornalistas se aglomeram
para fazer perguntas idiotas a um energúmeno completo como é o presidente
estadunidense, sem que absolutamente seja aventada qualquer possibilidade de
um questionamento embaraçoso paro o poder, o homem, jornalista, explodiu.
Não era terrorista, nem homem-bomba, nem nada. Só uma pessoa, cansada de
servir àquele que nada mais era do que um gangster de terceira classe. Mas
que, por tanto tempo nos píncaros da gloria, comandando o exército mais
poderoso da terra, havia de ser temido.
E assim, não bastando ter destruído
toda a cultura do Iraque, matado sua gente, destruído sua auto-estima,
massacrado sua honra, ainda se deu ao luxo de ir dizer "goodbay".
Tripudiava, pisoteava, humilhava um pouco mais aquele povo que até hoje,
passados cinco anos, ainda morre pelo simples fato de ser o que é.
O jornalista não ouviu os dois lados, não contou histórias, não checou
informações. Ainda assim merece ganhar todos os prêmios do mundo. E por quê?
Porque num tempo em que o normal é servir ao poder ele disse: Não! Sem
armas, mas sem medo, ele usou o que mais prosaico se poderia usar, o sapato.
E, num ato de digna raiva o arremessou contra o boneco estadunidense, que
tal e qual um estúpido, ria sem entender a grandeza do gesto. O jovem
iraquiano que aos gritos de "cachorro", tentou atingir o presidente do país
mais armado da terra, ficará eterno ao protagonizar uma hora histórica. No
lugar improvável, entre os serviçais, ele se levantou e arremessou o sapato.
Um gesto pueril, inglório, tolo, mas que redimiu parte da humanidade.
Não é sem razão que pelo mundo todo seu gesto ingênuo esteja sendo saudado
como a maravilha das maravilhas. Porque no planeta dos escravos de Jó teve
um que decidiu sair da casinha do jornalismo cortesão e dizer ao mundo a
palavra aprisionada: "cachorro!", que, pensando bem, é uma ofensa contra
esses lindos animais.. Vai-te para o inferno George Bush, porque, como já
dizia Ali Primera "hermano de mi pátria usted no es".
Foi bonito, foi redentor, mas, e agora? Será diferente com Obama? É
diferente dos demais carrascos? Trará paz ao mundo? Acabará com Guantánamo?
Findará a tortura? Deixará de ingerir sobre a vida das gentes nos países que
têm riquezas para eles roubarem? Duvido muitíssimo!
O bravo jornalista do Iraque enfrentou a ira dos deuses e está a receber
aplausos de todos os cantos do mundo. Legal, isso é bom. Mas, quisera eu que
os coleguinhas do mundo todo principiassem a realizar o insólito, tal qual o
iraquiano, não atirando sapatos, mas narrando a vida, a vida mesma, essa que
escorre pelos dedos da história real e que não encontra espaço para se
expressar.
Sim, foi orgástico ver o sapato voando. Talvez fosse tudo o que aquele homem
pudesse fazer. Mas nós, aqui na terrinha, podemos mais do que um sapato no
ar. Nós podemos contar da vida, dos podres do poder, da dominação. Nós
podemos narrar o horror do cotidiano e mais, nós podemos anunciar a boa
nova. Outras formas há de se viver no mundo. Boas e bonitas. Os atiradores
de sapatos são bem vindos, sim, mas é chegada a hora dos Jeremias a insistir
contra todo o bom senso: "ainda hão de nascer flores neste lugar". Viva o
jornalista iraquiano que arremessou os sapatos, mas vivam também os loucos
que, a despeito de tudo, jogam a merda do capital no ventilador. Eles não
aparecem em rede nacional, mas estão aí, insistindo e lutando. Há mais
sapatos voando por aí do que pode sonhar nossa vã filosofia!
* Jornalista


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